A menstruação como poder

O fluir do sangue menstrual tem como efeito colocar a mulher em uma situação diferenciada no grupo humano. Os poderes mágicos, atribuídos especificamente a este sangue que se manifesta regularmente, estão intimamente relacionados à vida e á morte. Por isto, quando menstrua, a mulher se encontra em uma situação liminar. Nessa condição sagrada, ela está em contato com um poder natural, cuja fonte não é o sangue em si. O que confere poder ao sangue menstrual é a simbologia relacionada com ele. Já explico!
Um evento que se origina de uma condição biológica, quando adquire um signifcado cultural, este passa a predominar, determinando como o fato biológico será inserido no campo de significados de cada comunidade, determinando seu valor.
Quando as mulheres sincronizaram a menstruação e se deram conta do poder que isso representava em uma situação determinada, podem ter se isolado para preservar este poder. Ao se retirarem do convívio social para a "tenda vermelha" ou "casa da lua", como eram chamadas as cabanas de menstruação, estabelecem a sacralidade e potencialidade deste evento.
A cada vez que uma mulher menstrua, ela entra em contato íntimo com a fonte deste poder, momento que a coloca novamente fora da estrutura social. Quando essas ocasiões são vividas de modo positivo pelo grupo, sua ocorrência tem como efeito uma renovação do contexto social. Apenas quando essa renovação é vivida como uma ameaça, o poder contido e explicitado nestes momentos é sentido como perigoso.
O perigo representado por uma situação carregada de poder é a sua potencialidade de irradiar-se para as regiões com as quais entra em contato. O perigo representado pelo contato com mulheres menstruantes era atribuído ao poder sagrado do qual o sangue era portador, poder este "de um tipo que é mais perigoso por estar vinculado com a lua e enraizado na natureza".
Os valores e crenças contidos e expressos nos mitos, lendas, arte, religião e ciência são, ao mesmo tempo, fundamento e consequência da articulação simbólica das ações. Os sistemas socias se formam e se mantêm através da ação de seus sujeitos.
"O mundo mítico é, primordialmente, o mundo da ação. Todas as ações são verdadeiros ritos, assim como os ritos são verdadeiras ações". (Tarcísio Moura)
Uma ação repetida se torna um rito, quando dá significado a uma experiência corporal. O siginificado é transmitido por meio do mito que, mantido e repetido por tempo suficiente, configura-se como crença, uma força energética que afeta nosso funcionamento bioquímico e, por consequência, nossa experiência. Os símbolos emergem e fundamentam-se em vivências corporais. Num processo de influência mútua, a cultura afeta nosso pensar, sendo que nossas crenças coletivas perpetuam a sociedade na qual vivemos.
Correspondências simbólicas são experiências acumuladas e partilhadas, qua se configuram como um campo unificado de significados, campo este que se organiza como um sistema de crenças. À medida que novos significados são criados, os anteriores vão recuando e se depositando nas camadas mais profundas da psique, formando o que foi denominado de inconsciente coletivo.
Ainda hoje, na Europa, acredita-se que se uma mulher menstruada entrar em uma cervejaria, a cerveja azeda. Quem já não ouviu dizer que a maionese desanda se for batida por uma mulher menstruada?! E quantas vezes você já ouviu dizer isto?

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