O feminino que há em nós

O espírito mesmo não tem sexo, profetiza a maioria das tradições. Mas a alma, ao viver na Terra e receber um corpo, masculino ou feminino, é influenciada por essa condição. "Certas características são atribuídas ao universo feminino: o cuidar e a cura, o nutrir e o educar, a compaixão, o amor à natureza e ao belo", diz a educadora Neuza Russo. "Essas qualidades e ações são tradicionalmente ligadas aos aspectos femininos do ser", afirma.
O feminino, segundo ela, também se caracteriza por um sentimento profundo de falta. Muitas vezes, na história da arte, ele é representado por um vaso ou um cálice, pelo que precisa ser preenchido. "É essa sensação de insatisfação perene que conduz ao movimento e à busca espiritual", acrescenta Neuza. E a alma, quando preenchida pelo sagrado, imediatamente amplia sua relação com o mundo. "Passamos a reconhecer a sacralidade do corpo, da natureza e do outro", afirma a educadora. É nesse momento de plenitude que se dá o exercício da espiritualidade em seu lado feminino. A mulher se torna xamã e curadora, mestra e servidora, cuidadora e artista. "Cada pessoa irá desenvolver um desses aspectos, mas certamente todos eles estarão interligados num nível mais profundo", diz ela.
E como isso acontece?

INTEGRAÇÃO E NASCIMENTO
Pode-se dizer que tudo que esteja relacionado ao reino da criatividade e intuição, ao acolhimento e à afetividade, ou à natureza e a seus ciclos, se ligue a aspectos do feminino, tanto na mulher, onde eles se manifestam majoritariamente, como no homem, que também tem sua contraparte feminina. Já a lógica e a razão, o que estabelece leis e regras, o que é mais rígido e compartimentado, se associa aos aspectos masculinos, quer no homem (onde estão mais presentes) como na mulher.
As sociedades matriarcais do passado incentivavam aspectos femininos no conjunto de seus valores e padrões de comportamento. "Isso não quer dizer que uma matriarca não soubesse ser cruel e dura, guerrear e estabelecer regras. Ou que o homem não pudesse se embelezar e pintar seu corpo para as festas cerimoniais em uma vivência de entrega aos mistérios de sua religião. Continuamente, lançamos mão de nossos aspectos masculinos e femininos, conforme a necessidade", diz o psicoterapeuta Luiz Geraldo Benetton, estudioso de psicologia da religião.
Na sociedade patriarcal, que se mantém no poder há milhares de anos, os valores femininos foram abafados. O que era relacionado à mulher era considerado sem prestígio, mas essa situação, segundo Benetton, está mudando. E já aponta no horizonte uma nova estrutura social e cultural, com mais ética, consciência do outro - seja ele uma pessoa ou a própria natureza. A valorização da ecologia, por exemplo, faz parte dessa nova consciência. A natureza não é mais vista apenas em seu aspecto mágico, como nas sociedades matriarcais, nem mais como a natureza-objeto, que só serve para ser usada e explorada, destituída de alma, como nas sociedades patriarcais. "Assistimos ao nascimento de uma sociedade em que o ser humano se vê como integrante de seu entorno, consciente de que faz parte de um todo e de que suas ações têm influência sobre esse conjunto", declara o terapeuta. Em outras palavras, a união de compreensão e consciência ao lado do amor à natureza e o reconhecimento da sacralidade da vida. "Isso também deverá ocorrer em relação à espiritualidade, que poderá ser vivenciada de forma mais dinâmica e aberta e não somente debaixo de ritos, leis e dogmas e nem só servindo a uma visão mágica e temerosa das forças do Universo", completa Benetton.

Por Liane Alves
http://bonsfluidos.abril.com.br/livre/edicoes/0102/07/07.shtml (trecho)

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