As Mulheres no tempo da Deusa Mãe

“Como é que viviam as mulheres nesses tempos e nesses países em que a divindade era feminina? Elas eram consideradas de uma forma completamente diferente da que nas civilizações cristã e muçulmana que juntavam ao patriarcado uma teologia que as inferiorizava. O homem olhava a mulher como uma criatura quase sempre sagrada e muitas vezes com honrarias, e a mulher, ela própria, se considerava como um ser a parte inteira que não tinha nada a invejar ao homem. Este clima psíquico era evidentemente favorável à confiança em si mesma e ao seu desenvolvimento, à eclosão livre das suas faculdades. Sem dúvida que nós estamos muito longe de ter reconquistado estas condições apesar das consideráveis conquistas destes últimos vinte anos.”
In Mulher Solar - Paule salomon

Este é, penso, o ponto fulcral e ponto de partida também para o desenvolvimento de uma consciência que precisa ser acordada na mulher. Faz parte da minha tarefa, ou da minha intenção, mostrar à mulher e a mim mesma que o trabalho ainda está quase todo por fazer e que não nos podemos iludir com uma falsa e aparente liberdade da mulher, se ela não nos der a dimensão verdadeira da nossa alma! Se ela não nos trouxer de novo a dimensão do Sagrado Feminino. A mulher anterior às civilizações cristã e muçulmana. Porque a mulher do Ocidente, tanto como a do Oriente, está profundamente ferida na sua essência e na sua alma.
De formas opostas muito óbvias e paradoxais, as mulheres estão hoje no mundo e enquanto as mulheres ocidentais, de um lado, se desnudaram e confrontaram os homens com uma sexualidade livre e muitas vezes libertina, cópia da masculina, do outro lado, as mulheres orientais continuam de rosto tapado e sem qualquer liberdade exterior, a ponto de nem sequer se poderem apaixonar pois são condenadas à morte pelo seu deus-profeta… mortas à pedrada pelos maridos e filhos, vêem as suas filhas igualmente mortas sem apelo nem agravo.

No Ocidente, e ao contrário do Oriente, as mulheres defendem e afirmam-se de formas agressivas nos anúncios publicitários e no cinema e também na vida social sem qualquer pudor ou complexo. Expõem os corpos e fazem operações plásticas para terem corpos mais atrativos e apetecíveis. Tudo isto não é mais do que o verso e o reverso da mesma moeda. Uma falsa mulher que nada tem a ver com a mulher inteira, com a mulher autêntica, essa mulher ancestral que era venerada e respeitada como sagrada, e que foi abolida da face da terra pelas ditas “civilizações” da espada… Em ambas as sociedades, a mulher continua a ser inferiorizada e desrespeitada como ser uno e íntegro.
Por um lado, o Oriente diz venerar as mulheres e não as querer expor… por outro, o Ocidente faz de conta que aceita as mulheres livres mas concomitantemente faz da mulher prostituta, usa o seu corpo sem qualquer respeito e explora-a sexualmente dentro e fora do casamento, de acordo com os conceitos estabelecidos pelo patriarcado há centenas de anos. Mas o que é mais curioso é que as mulheres tanto no Ocidente como no Oriente continuam a servir e a defender esses padrões sem consciência alguma do seu ser profundo e, a não ser quando são espancadas e violadas ou mortas, é que se insurgem, e nem sempre… ou então querem apenas ter direitos iguais, fazer o mesmo que os homens sem ter em conta as características da sua verdadeira natureza, já há muito esquecidas …

A mulher está ferida de morte…
A mulher nesta sociedade moderna e decadente está ferida na sua alma, no seu corpo e no seu espírito; a mulher está ferida especialmente no seu sexo… no seu ventre, no seu útero. Vendida e abusada por centenas de anos, usada de todas as maneiras desde menina para dar prazer aos homens, usada como instrumento de reprodução ou como cobaia pela ciência química, é desde cedo preparada para servir a sociedade.
O Estado (pela “educação”) e a Religião (pelo dogma e pela pregação do pecado) encarregam-se muito cedo de destruir qualquer personalidade da mulher ou de anular e matar as mulheres que fogem ao seu destino. No Ocidente, alienando-as com os estereótipos e sucedâneos, no Oriente aniquilando-as ou tirando-lhes a vida ou o clítoris… Foi assim ao longo da História do Homem, a civilização da espada. Não vale a pena falar mais das perseguições nem das mulheres sábias, parteiras ou simplesmente porque eram belas, queimadas nas fogueiras como cúmplices de um diabo inventado pelos padres…
Agora os cenários são outros, uns até parecem inócuos, mas são muito mais enganosos. A falsa liberdade da mulher corresponde a uma falsa emancipação, e as conquistas sociais e econômicas que lhes permitem a igualdade são apenas uma maior perda de identidade, pois significam pouco mais do que a sua entrada nos exércitos e nas polícias, nas chefias e na política a par do homem, embora isso nem seja ainda uma realidade, tornando-a não uma mulher-mulher mas um sucedâneo do homem… uma cópia de saias do macho… Nada isso a dignifica nem lhe permite ser o que ela é potencialmente e na sua totalidade.
A mulher ainda não se encontrou consigo mesma, ainda não se redescobriu… porque não lhe permitiram, nem ela se permitiu ainda à “eclosão livre das suas faculdades”, posto que nem as conhece… Estou a pensar nas suas faculdades de Médium, de Vidente, de Sibila, de Oráculo de Sacerdotisa Sagrada… ou, simplesmente, de Deusa Mãe e Amante!
Podem dizer-me que a mulher hoje é livre e trabalha e ganha dinheiro e tem regalias, antes não.
Mas isto acontece num plano de mera instrumentalização da mulher e do ser humano em geral, como aquele que produz e consome e morre sem mais horizonte que sofrer ou ter prazer e diversões superficiais sem dimensão espiritual nem metafísica!
Eu não ignoro isso nem as conquistas feitas pelas mulheres, não, não esqueço as mulheres que ousaram ir para além dos seus limites. Tudo isso é certo, mas isso não lhes revelou a sua verdadeira essência e é aí que começa o drama.
Todas essas conquistas e “evolução” das mulheres se fizeram em nível material e exterior a elas, sem passar pela sua alma e por um conhecimento qualquer de ordem interior e espiritual. Na realidade, a mulher continua ferida… Porque a mulher continua a ser sacrificada ou explorada, apesar dessas conquistas todas, não importa que mudanças nem que liberdades foram conquistadas.
A mulher não encontrou a sua inteireza nela mesma, pois não integrou a sua dimensão ontológica. Ela procurou apenas uma fuga numa série de sucedâneos, através das vias política e intelectual ou da ciência e da religião, mesmo mas sem nunca se encontrar a si mesma na sua totalidade. Todas essas conquistas nunca lhe trouxeram nem respostas, nem equilíbrio, nem a paz ao seu ser profundo e verdadeiro… porque lhe faltou sempre integrar o seu lado sombra, a mulher rejeitada pela sociedade e pelos patriarcas, a bruxa perseguida pelos padres, a prostituta estigmatizada.
Porque a mulher devia ser diferente hoje, completa em si mesma se tivesse alcançado algum patamar verdadeiramente feminino, que é o da sua especificidade enquanto Mulher. Para isso, devia ter à partida confiado mais na sua vida instintiva e ser menos racional, devia confiar nas suas entranhas, e ser ela mesma a partir de dentro e não de fora. Só isso podia fazer a diferença e base de partida para uma vivência plena e autêntica.

O ser mulher está doente…
Mas, ao contrário disso, forçada a ser igual ao homem ou superior, para garantir a sobrevivência no mundo patriarcal, tem de entrar em competição com o homem de todas as maneiras e esse desgaste traduz-se em cada vez mais doenças degenerativas e fatídicas por viverem contra a sua natureza profunda, por viverem contra a sua essência e sobrecarregada de pesos. Sobre a mulher recai sempre a responsabilidade dos filhos, do marido, da casa e do emprego… soma-se a isso o medo atávico, o desrespeito e os maus tratos, o cansaço e a idade… fatal para a mulher que já não serve para uma sociedade que a explora enquanto objeto de consumo apetecível ou a joga no lixo quando já não o é mais.
Hoje, a mulher “livre”, a mulher do topo tanto quanto a das classes desfavorecidas, são igualmente vítimas de todo o tipo de doenças… doenças tipicamente femininas… doenças de foro psíquico e neurológico, doenças cancerígenas, que são devidas à toda uma série de seqüelas – são tantos os processos inconscientes de que ela sofre - através de uma luta surda com ela mesma e em luta, todos os dias, para sobreviver num mundo onde impera a lei do mais forte, e que lhe é naturalmente adverso sendo de domínio exclusivo masculino.
Ela nem disso tem consciência, tão antiga é a opressão e a exploração do seu ser e conseqüentemente ela ignora as razões profundas do seu sofrimento e as causas possíveis das suas doenças! Num mundo que lhe esconde o seu ser verdadeiro desde criança, que a obriga a silenciar parte do seu ser, que não lhe permite acessar ao conhecimento dela mesma através da sua intuição, ela não se pode reencontrar com a sua totalidade! Não é portanto a igualdade profissional nem o sucesso econômico que trazem à mulher a sua realização.
Antes de qualquer mudança exterior, a mulher tem de curar as suas feridas… tem de sarar as feridas da sua criança-mulher dentro e fora dela. Ela tem de olhar para si e ver onde está a origem do seu drama, da sua dor, da sua desordem emocional. Ela tem de escutar o seu coração sem medo pois só quando a sua voz de dentro, a Voz do Útero, lhe for devolvida e o seu poder intrínseco despertado, só assim a Mulher e a Natureza poderão dar frutos excelentes e criar uma nova Terra. Antes disso, tudo o que vivemos é ainda e só as sementes de violência e de ódio que os homens e as suas guerras semearam ao longo de milênios.
Estamos ainda tão longe desse mundo de amor e de verdadeira paz - que só é possível vinda de dentro, do ser integrado e autêntico – que, nem a mulher nem o homem, podem ascender ao espírito uno e desfrutar do equilíbrio entre seres humanos, nem terem respeito pelo planeta Terra.
Só quando a Mulher for "O Cálice" do qual brota o elixir da vida, o corpo receptivo e amoroso que se oferece, dá vida e alimenta… pode trazer a nova mulher e com ela a paz ao coração da humanidade e enterrar a Espada que tanto fere e mata. Para isso, ela precisa resgatar a Mulher Essencial, a mulher-Deusa que nela habita desde sempre e para todo o sempre. Amém.

rlp

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