A Metade que nos falta - Parte 2

"Quero levantar o tema do incesto com a mãe ou com a irmã porque ele está claramente implícito na bipolaridade da deusa. Isto tem muitas conotações para a mulher.
No presente contexto trata-se de uma maneira de “incorporar
as forças obscuras da mãe, ao invés de fugir e destruí-las”.
A ligação erótica pode permitir uma conexão íntima com qualidades positivas da sombra às quais a mulher nunca teve acesso dentro de si mesma.
E também o retorno à possibilidade de estar intimamente
religada a outrem igual a si mesma, e que pode ratificar plenamente o feminino.
Neste domínio está incluído o mistério do amor entre mãe
e filha e entre mulheres iguais.”


- Queria agora salientar que às vezes as mulheres na menopausa ou mesmo antes, podem ocasionalmente sentirem-se atraídas por outra mulher e terem dificuldade em o olhar com naturalidade ou aceitação esse facto dada a carga pejorativa que tem as relações entre sexos iguais. O facto é que pode ter ou não ter nada a ver com uma orientação sexual. Há uma homo-emocionalidade latente entre as mulheres que procuram a sua sensualidade como há medo dela entre as mulheres que se negam na sua essência e se procuram identificar apenas com os estereótipos masculinos que lhes são impostos pela sociedade de consumo. Contudo aqui o que nos interessa à partida é de facto perceber que a iniciação de uma mulher ao seu feminino pode acontecer através da projecção amorosa noutra mulher que catalise a energia da deusa… Também uma mulher masculina pode eventualmente fazer realçar ou fazer emergir na outra uma maior feminilidade, caso esta se sinta mais livre por não ter de corresponder ao estereótipo que o homem lhe exige ou a não ter que fingir prazer…

De uma maneira evocativa e de acordo com memórias atávicas das antigas sociedades matriciais, em que a mulher mais velha iniciava os jovens no amor, e as próprias mulheres, pode acontecer uma mulher mais velha ou mais feminina dar a dimensão do Sagrado Feminino a outra mulher seja assumindo um amor maternal erótico seja realçando o aspecto sensual da sacerdotisa. Se isso acontecer de forma natural e sagrada corresponde a uma iniciação e portanto corresponde a uma fase temporária (ou não…) até que a mulher se assuma na sua totalidade e estabeleça então a relação com o seu complemento masculino.

Por outro lado, é muito claro que as mulheres em geral têm medo da sua sensualidade e dos seus corpos habituadas que foram a reprimir-se e assim temem igualmente o espelho que são as outras mulheres mais ousadas. Elas foram tão divididas e fragmentadas que se viram obrigadas a negar a sua sensualidade para não serem ostracizadas do seio familiar ou social ou ainda perseguidas como bruxas ou feiticeiras como o foram na Idade Média ou mais tarde apenas como “prostitutas” ou lésbicas… Era aquilo que li algures dito por um psicólogo: que as mulheres portuguesas se castram, como se fosse uma questão fora do contexto social e histórico...
Sim as mulheres, como todas as mulheres em geral se “castram” por serem vítimas ainda do efeito do catolicismo primário e obsoleto e as consequências nefastas da pregação religiosa que vê na sexualidade da mulher o mal e na mulher a encarnação do diabo. Nunca é demais lembrá-lo porque os conceitos e os preconceitos mantêm-se apesar da aparente liberdade das mulheres na sociedade actual. No entanto, nenhuma mulher foge ao julgamento e à marginalização social ou psicológica se se afirmar na sua totalidade e assumir a sua sexualidade seja ela qual for. Nenhuma mulher escapa ao estigma da “puta” ou de lésbica, se sair dos padrões “morais" e religiosos que impregnam as mentes ocidentais dos homens e das próprias mulheres. As mulheres estão infelizmente quase sempre umas contra as outras e isso até faz sorrir os homens. Não é por acaso que eles adoram ver "filmes" de mulheres a puxarem-se os cabelos e a arranharem-se por disputa do macho...é assim que eles as reconhecem...E na dita sociedade moderna só se finge que já não se dá importância a tudo isso e até porque dá jeito aos homens a “liberdade” das mulheres...em certos casos. Mas continua a ser a esposa em casa e a amante no bar, na rua...ou no trabalho...e como é óbvio quando uma mulher se nega a ser instrumento de prazer do homem passa logo a lésbica embora as mulheres que se afirmam ou assumem enquanto homossexuais e lutam por uma afirmação meramente sexual, também acabem por cair no mesmo erro de não integrarem a sua totalidade, e a sua sexualidade poder não ser a mais feminina, ao recusarem-se nesse aspecto de si mesmas. Normalmente como dizia, expressam (mais) o seu lado masculino adquirido e copiado, nem sempre integrada da maneira correcta e quase sempre em detrimento do feminino.
r.l.p.

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